Mauro Cherobim
Toda e qualquer pesquisa precisa de um planejamento. Isto quer dizer que devemos ter muito claro o que queremos pesquisar, como deveremos pesquisar e como deveremos apresentar os resultados. Quem não sabe pesquisar não saberá escrever um projeto; quem aprendeu a pesquisar e não fizer um projeto não pesquisará corretamente, não terá resultados. Não terá objetividades em seus trabalhos de pesquisa.
Isto não significa que devamos restringir a pesquisa ao projeto. Projeto é um projeto: ali stão as linhas mestres que deveremos seguir. A explicação (análise) dos dados terá como parâmetros o projeto e os dados. As hipóteses têm esta função. Quando dizemos: os resultados das pesquisas deverão confirmar ou contrariar as hipóteses, está se fazendo exatamente isto.
O que nos leva realizar uma pesquisa? Poderá ser uma curiosidade científica, pessoal, ou então estar uma teoria. O tema poderá se apresentar ao pesquisador de forma aleatória.
Quando estive na Amazônia tive a atenção voltada à forma de como as idéias dos planos de desenvolvimento do governo federal chegavam até as pequenas comunidades do interior amazônico.
Ao realizar uma pesquisa eu me deparei com um problema metodológico. É muito sério o comprometimento do pesquisador com o seu objeto de pesquisa (o tema que se pesquisa). Este meu comprometimento me levou a duvidar de minhas interpretações aos dados. Resolvi, então, realizar outra pesquisa em que não houvesse este comprometimento para testar a metodologia que estava sendo utilizada e procurar desenvolver algum instrumental de controle para a objetividade das interpretações.
Há casos de encomenda de pesquisa. Neste caso é o cliente que traz o tema. Nas pesquisas de mercado, por exemplo, o cliente quer saber alguma opinião que lhe permita lançar um produto.
Vê-se, por aqui, que chegamos ao tema de pesquisa pelas mais diversas formas. O tema de pesquisa é a idéia principal a ser pesquisada. E é este tema que nos vai permitir escrever o projeto de pesquisa. E, claro, determinar o formato metodológico.
Conhecendo-se o tema de pesquisa precisaremos conhecê-lo em seus detalhes. O tema seria, por exemplo, o(a) pãe. O(a) pãe é o homem ou a mulher que cuida de seus filhos sem a presença do outro cônjuge, tornando-se pai e mãe ao mesmo tempo.
Esta é a idéia principal e precisamos refletir sobre ela[1]. Devemos iniciar a nossa reflexão descrevendo o papel social de pai e de mãe em nossa sociedade. E de filhos. Sobre casamentos, conflitos conjugais, etc.
Como este fato foi largamente noticiado pela imprensa, é aí que vamos encontrar grande parte das informações e poderá nos ajudar a dar os primeiros passos para definir o problema e seguir o caminho metodológico.
Neste tipo de descrição daríamos ênfase a aspectos como as famílias objeto da investigação estão organizadas e em que aspectos elas se diferenciam e se assemelham às famílias normais, isto é, aquelas que têm o pai e a mãe sob o mesmo teto. Como são os papéis da mãe ou o do pai quando assumem o papel do outro cônjuge. E os filhos, como agem nestas circunstâncias?
A imprensa faz parte da literatura descritiva, ou seja, aquela que descreve um fenômenos sem a preocupação de análises mais acuradas, metodologicamente sustentadas. Arquivos públicos, documentos oficiais, literatura atual, etc., compõe este conjunto de documentos descritivos.
Os documentos explicativos são aqueles oriundos de investigações sobre o tema ou temas paralelos. Os dados estatísticos do FIBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - www.ibge.gov.br/) e do SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade – do Estado de São Paulo http://www.seade.gov.br/ ) oferecem informações numéricas sobre o tema.
Temos aqui dois conjuntos de informações que nos permitem ter um quadro geral do tema a ser pesquisado. O que não basta. É necessário que se vá a campo observar este nosso objetivo de pesquisa, entrevistar pessoas envolvidas. Esta atividade é chamada por alguns autores como estudos de situação, survey por outros. Independentemente do nome é o momento em que o pesquisador toma contato com o seu objeto de pesquisa. Se não fizer isto se corre o perigo de não se encontrar o objeto de pesquisa ao se tentar iniciar a pesquisa de campo.
Agindo desta forma conseguiremos formar um quadro do problema. Esta imagem é uma construção que pode se aproximar ou se distanciar do fato concreto que se formará objeto de pesquisa. E nos permitirá elaborar algumas hipóteses de forma que as nossas abordagens se tornem mais objetivas. Uma delas: o pai, ou a mãe, não consegue socializar eficientemente o filho do sexo contrário ao seu. Outra: o processo de socialização neste tipo de família é mais eficiente porque os filhos se tornam mais conscientes de seus papéis de gênero. Mais uma: as condições socioeconômicas das atuais sociedades de massa não são adequadas ao modelo tradicional de família. E por aí vai.
Estas hipóteses deverão se relacionar uma com a outra permitindo um sistema de hipóteses. Deste sistema de hipóteses permitirá planejar que deverá ser pesquisado, assim como delimitar a amostra e responder questões como: (1) a coleta de dados será realizada com os pais, com as mães, com os filhos, algumas instituições etc.? (2) nas capitais ou no interior? (3) Em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Curitiba, em Belo Horizonte? Qual número de entrevistados necessários?
Todas as pesquisas deverão ser factíveis. Para tanto o planejamento deverá considerar dois aspectos principais: o metodológico e o financeiro. Este poderá até se sobrepor ao outro. Mas há outro: condições de acesso aos pesquisados.
O tema, os interesses metodológicos e a amostragem irão determinar quais as técnicas serão utilizadas na pesquisa. Não é um ou outro aspecto que determinará, mas uma conjunção de todos; poderemos utilizar uma ou mais técnicas. Se a amostra for grande poderemos aplicar questionários; se for pequena poderemos realizar entrevistas. Se houver uma boa visibilidade da amostra poderemos realizar observações de forma participante ou não-participante. Poderemos até coletar histórias-de-vida se isto for possível e/ou de interesse metodológico.
A significância da amostra será a sua relação com o universo. O universo é o todo e a amostra é uma parte deste todo que deveremos pesquisar. Nossos entrevistados deverão representar os percentuais do todo. Por exemplo: os percentuais de homens, mulheres, categorias etárias e sócio-econômicas da amostra deverão ser iguais ou aproximados de seus percentuais no universo.
Chegamos até este ponto, mas ainda temos muitas dúvidas a respeito de alguns poucos ou de muitos aspectos. Estaremos no caminho certo quando as nossas reflexões? Uma pesquisa piloto,ou survey, ou seja, um primeiro contato com o tema poderá resolver parte destas dúvidas e mostrar um caminho pelo qual poderemos encaminhar nossa reflexão. E indicar, também, as técnicas mais apropriadas pra a coleta de dados.
As hipóteses terão um papel importante, como comentei acima, para a delimitação da amostra a ser pesquisada. A sua importância vai mais além, pois mostrará quais categorias de entrevistados, ou informantes, poderão responder às nossas indagações.
A mudança social em uma pequena comunidade, por exemplo, afeta a todos os seus membros de maneira mais ou menos igual; numa sociedade de grande contingente demográfico a mudança ocorrerá de forma desigual, não alcançando, até, certos grupos. No caso dos pães parece ocorrer numa determinada faixa sócio-econômica e em sociedades urbano-industriais onde as mulheres têm acentuada participação no mercado de trabalho, dispões de alta escolaridade e são economicamente auto-suficiente. Esta proposição antes da pesquisa fará parte do rol das hipóteses e nos remeterá a pesquisar uma determinada categoria. A elaboração de um questionário (ou formulário) segue por este caminho.
Um questionário divide-se basicamente em duas partes: (1) as informações pessoais do entrevistado (sexo, idade, estado civil, nível de renda, atividade profissional, dados que indiquem situação sócio-econômica, etc.) e (2) opiniões.
Quando se pede a opinião de uma pessoa acerca de algo não significa que ela faça aquilo. Ela pode, até, pensar que faz aquilo; na maior parte das vezes de nossa vida dizemos fazer uma coisa e fazemos outra. Chamamos de comportamento ideal (o que deve ser) o que dizemos fazer e de comportamento real (o que é) o que fazemos. A distância ou a aproximação destes dois tipos de comportamentos indicam o ritmo de mudança em uma sociedade. Precisaremos, então, complementar uma pesquisa com a aplicação de questionários com outras técnicas, como a observação, entrevistas, histórias-de-vida, grupos de debate, etc..
Os resultados colhidos em questionários passarão por codificação, contagens diretas, cruzadas, etc. e, finalmente, uma análise estatística. Os resultados mostrarão um quadro geral e genérico do problema que deu motivo à pesquisa. Claro que nas pesquisas qualitativas, sem aplicação de questionários prescinde-se da análise estatística.
Finalmente chega-se à parte final da pesquisa com a redação de um relatório e, por último, a interpretação final dos dados.
Uma pesquisa importa em custos. Nem sempre o pesquisador tem condições de arcar com os seus custos devendo recorrer a fontes de financiamento. No caso das pesquisas acadêmicas poderá se socorrer às instituições de fomento, como a FAPESP, CNPq, Fundação Ford, etc., e nas pesquisas de mercado são os clientes que arcarão com os custos. Os recursos financeiros determinarão o “tamanho” da pesquisa, que poderá aumentar ou diminuir se os recursos forem maiores ou menores do planejado. Geralmente há diminuição.
As demais partes do projeto, escritas na ordem a seguir, serão as indicações bibliográficas, as conclusões e a introdução. As indicações bibliográficas deverão ser escritas de acordo com as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) quando escritas no Brasil. As conclusões são comentários finais que têm como objetivo fazer uma avaliação de pontos considerados pelo autor como fracos ou controvertidos. No caso de relatórios de pesquisa comenta os resultados, ressaltando a sua contribuição para a área de conhecimento à qual a pesquisa foi realizada. A introdução é uma apresentação do trabalho. Deve ter um caráter didático, onde se procura mostrar o que o autor pretendeu realizar no decorrer do seu trabalho e como o realizou. Por isto deverá ser escrito depois do trabalho pronto (escrito).
[1] Este texto foi escrito no início da década de noventa quando a imprensa deu destaque à quantidade de homens e de mulheres que cuidava dos seus filhos sem a ajuda do outro cônjuge.