domingo, 6 de fevereiro de 2011

Uma festa de igreja

Eu morei em São José dos Pinhais, hoje apelidada de cidade metropolitana da Grande Curitiba. Uma coisa boa era quando a Prefeitura limpava a valeta que cortava duas quadras defronte à Igreja Matriz para o churrasco comunitário. Eu morava a uns 100 metros do local. No dia seguinte todo mundo sentia as queimaduras nas pontas dos dedos polegar e indicador. Já pensaram estes dois dedos fora de serviço?

A cidade era pequena; se escorregasse no centro da cidade iria para nos sitiozinhos com as suas hortas bem cuidadas. Sentia-se morar no sítio e na cidade ao mesmo tempo. Um ambiente rural-urbano. Diferente de Morretes em que o rural e o urbano eram claramente delimitados.

As casas tinham, todas elas um quintal que ia até o outro lado da quadra, com as suas hortas, galinheiros e uma coberta, alguns com um compartimento fechado a guisa de depósito. Ali se armazenava a lenha, as ferramentas agrícolas de uso na horta e as sacas de serragem (pó da serra).

Havia os meninos, com carrinhos de mão, que forneciam serragem para o fogão. Colocava-se uma garrafa na boca principal do fogão e ia-se colocando a serragem em volta e socando, até completar toda a parte de queimar a lenha. Entre esta parte e a de baixo havia uma grelha de ferro que permitia a passagem da cinza para o seu depósito. Para que a serragem não escorresse por esta grelha, ela ficava sobre uma folha de papel.

Depois de toda a serragem socada, tirava-se a garrafa e acendia o fogo no espaço por ela formado. O ar começava a circular forçado pela sucção de ar da chaminé. “Tinha-se fogo”, na verdade um braseiro, que permitia fazer o café da manhã e o almoço. À tarde fazia-se o mesmo para o jantar. No inverno todas as portas internas da casa eram abertas para que o fogão servisse como aquecedor.

E o forno de pão! Ficava no fundo do quintal, sob um telheiro. O fogo era aceso enquanto a massa era feita, batida e deixada para crescer. No inverno o calor do fogão ajudava para acelerar o crescimento do pão, do cuque, do chineque. Dava tempo para consertar a galinha para ser assada. Uma galinha criada no quintal. Depenada com água quente, num latão sobre a chapa do fogão.  

Na transgenitalização galinácea, no Paraná frango vira galinha e aqui em São Paulo a galinha vira frango. Consertar a galinha era prepará-la para assar, cozinhar, etc. Na verdade desconserta, desmancha. Ah, estes regionalismos paranaenses!

Tempo bom! Bem, o passado sempre é bom, melhor que o agora.

Esta introdução é para montar a imagem para falar das festas de igreja na periferia das cidades. Estas festas de igreja são as quermesses aqui de São Paulo.

As festas de igreja festejavam o padroeiro do lugar, organizadas pelos festeiros do local. Ela era antecedida pelas novenas, cada uma dela com um “patrocinador” e comandada pelo capelão da igrejinha.

A festa iniciava com a missa, os foguetes, e todas as demonstrações de religiosidades.  E era quando o vigário, a que estava subordinada a capela, realizava a desobriga. Batizava e crismava as crianças, casava os ajuntados, realizava bênçãos. Tudo que precisasse de uma benção.  

A quermesse, na verdade, é o bazar ou a feira beneficente, com leilão de prendas, depois das cerimônias religiosas. E é aí que se desenvolvia a teojogatina. Todos os tipos de jogos. Um dos jogos era o leilão de prendas, mas a maior atração era a roleta (não maliciem).

Girava a roleta com toda a força e ela era girando, girando, até parar em um número. Era o momento de maior emoção entre os que compravam os cartões e os que torciam para alguém.
Os cerimoniais religiosos de uma festa de igreja tinham um caráter secundário. O que era importante era o congraçamento, os encontros, as fofocas. O churrasco comunitário que falei acima tinha a mesma finalidade.

Numa das festas havia uma galinha assada. Assada num forno a lenha. Deliciosa! Proseei com os meus botões e chegamos à conclusão que eu deveria “ganhar” aquela galinha. Estava “boludo”. Cheguei ao balcão e pedi: quero comprar a cartela inteira deste frango. A pessoa que me atendeu exclamou: BarbaridadE! Já vendi uma! O paranaense acentua o "e" final e fala de forma exclamativa. Então mE dá! (nesta época fui mandado - por castigo - trabalhar no Aeroporto de Afonso Pena, que fica no município de São José dos Pinhais. E o meu falar paranaense voltou).  Ma che barbaridade! Vai ter correr a roleta! (Ma che! Vício da italianada). 

A São José dos Pinhais é uma área de colonização italiana). Então roda logo! Quero comer esta galinha! A paúra começou a se avizinhar. Os meus botões me alertaram. Se il figlio de un porco tirar a galinha? Porco Dio. Putano! O cara que comprou o bilhete foi sorteado e eu, com 19 cartões, com 95 números, nas mãos e eu a ver navios. Barbaridade!

Provavelmente o sortudo era mais temente a Deus do que eu.

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