sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Coroinha iniciante

Todo guri da minha idade sentia-se prestigiado em ser sacristão (coroinha). Pudera! Passava a conviver no mundo adulto, tinha responsabilidades e podia atender pedidos dos membros da Igreja. Mesclava momentos de vida adulta com momento de vida de adolescente. Do início de adolescência. E era ouvido na cidade através dos toques dos sinos.

Valdinho foi ser sacristão antes de mim. Ele não teve sossego enquanto não conseguiu uma vaga para mim.

Até que chegou o dia. Na verdade não esperava. Era na Igreja de São Benedito, e a missa era solene da festa do padroeiro da igreja. Faltou um dos sacristães. Valdinho me indicou e o Padre Camargo me aceitou.

O altar dominava a nave da Igreja de São Benedito num dos seus extremos, e no outro, a entrada principal.

À direita de quem olhava para o altar havia a cadeira do Padre, ladeada por duas cadeiras menores, onde sentavam os coroinhas. Logo a seguir, uma mesinha onde ficam os cálices de vinho e a seguir, a porta de ingresso à sacristia.

O Padre e os coroinhas se aparamentavam na sacristia. Recebi um camisolão vermelho e uma blusa branca que quase alcançava os joelhos.

O caminho da sacristia para o altar era estreito. O Padre ia à frente, seguido pelos coroinhas e por último, Seu Roberto França, o capelão da igreja. Neste dia, Valdinho vinha logo atrás do Padre, trazendo a Bíblia e a seguir eu, com o turíbulo. E lá seguimos para o início da missa.

Como eu era novo, coube a mim acender o carvão para colocar no turíbulo. Era a função da plebe rude, o sacristão iniciante. Como naquele tempo todos tinham fogão à lenha, esta primeira etapa foi fácil; isto era feito num recipiente de ferro, que deveria ter sempre carvão em brasa para a eventualidade de ter que reabastecer o turíbulo. Ao lado do altar havia um pequeno recipiente com incenso para colocar no braseiro. O segundo passo foi aprender a manter o movimento pendular para que as brasas ficassem sempre bem acesas. Era um movimento delicado, diferente do balançar o ferro de passar roupa a carvão.

O Padre ficava no centro do altar e o coroinha principal a sua direita passando a ele tudo que fosse necessário no decorrer da missa. Nem precisava pedir, pois se fica sabendo o momento certo de quando o Padre fará alguma coisa.

Eu tive que ficar em pé, à esquerda do altar, balançando o turíbulo e pronto para fazer algo fora do altar.

Numa altura da missa veio o primeiro pedido. Pedido nada! O Padre virou para o meu lado e falou, num cochicho alto: o vinho. Vinho? O VINHO! Hã? O V I N H O!!!!!! Até então eu não sabia que o padre tomava vinho no decorrer da missa.

Olhei para o Roberto França e perguntei: onde está o vinho? LÁ NO FUNDO!  E isto aqui? O turíbulo, não sabia onde deixar aquilo. ME DÊ AQUI, GURI! E lá ficou Roberto França turibulando.

Fui correndo na sacristia buscar o vinho. Não encontrei.
Voltei e perguntei para o Padre:

- não encontro o vinho, Padre, onde está?

Interrompeu a reza que estava balbuciando e indicou:

- aí no fundo.

Voltei para a sacristia e fiz uma procura em regra. Abria e fechava gavetas, abria e fechada porta de armários e nem reparei um esqueleto que havia na prateleira de um dos armários.

Enquanto corria de um lado para outro, chega Roberto França:

-  o que você está fazendo aqui; está atrasando a missa!

- procurando o vinho... O Padre me mandou aqui nos fundos, buscar...

E começou me ajudar a procurar até que “caiu a ficha”.

            - o vinho da consagração. Puta la merda! Tá na mesinha, ao lado do altar...

Ele me explicou como deveria fazer e foi pegar o turíbulo que já estava quase apagado. Tudo isto demorou uns 20 minutos (ou mais) e o Padre já estava sentado na poltrona ao lado do altar esperando para continuar a missa.

Não me deixou levar o turíbulo ao Padre com medo que fosse atrasar a missa um pouco mais.

Imaginei que a minha carreira de coroinha estivesse terminado naquela primeira missa. Mas não.

A não ser uma vez que quase incendiei a Igreja Matriz eu me tornei um coroinha eficiente.

Era uma novena. A Igreja esta quase cheia. Fui acender todas as velas de todos os altares. Os castiçais ficavam no alto. Usávamos uma vara comprida e na ponta havia um local para colocar uma vela, e ao lado, um cone para apagar vela. Após acender a vela, esbarrei no castiçal e ele caiu numa toalha que enfeitava o altar. Eu não reparei e fui acender as velas em outro andar. Nisto ouço um grito: FOOOOGO!! Os homens correram para o altar, e como era alto, tentavam subir no altar firmando o pé embaixo dele. Mas não havia nada. Todos que acudiam caiam sob o altar. Até que alguém conseguiu subir e apagar o início do incêndio.


Por fim, aprendi no ofício.