Todo guri da minha idade
sentia-se prestigiado em ser sacristão (coroinha). Pudera! Passava a conviver
no mundo adulto, tinha responsabilidades e podia atender pedidos dos membros da
Igreja. Mesclava momentos de vida adulta com momento de vida de adolescente. Do
início de adolescência. E era ouvido na cidade através dos toques dos sinos.
Valdinho foi ser sacristão
antes de mim. Ele não teve sossego enquanto não conseguiu uma vaga para mim.
Até que chegou o dia. Na
verdade não esperava. Era na Igreja de São Benedito, e a missa era solene da
festa do padroeiro da igreja. Faltou um dos sacristães. Valdinho me indicou e o
Padre Camargo me aceitou.
O altar dominava a nave da
Igreja de São Benedito num dos seus extremos, e no outro, a entrada principal.
À direita de quem olhava para o
altar havia a cadeira do Padre, ladeada por duas cadeiras menores, onde
sentavam os coroinhas. Logo a seguir, uma mesinha onde ficam os cálices de
vinho e a seguir, a porta de ingresso à sacristia.
O Padre e os coroinhas se
aparamentavam na sacristia. Recebi um camisolão vermelho e uma blusa branca que
quase alcançava os joelhos.
O caminho da sacristia para o
altar era estreito. O Padre ia à frente, seguido pelos coroinhas e por último, Seu Roberto França, o capelão da igreja.
Neste dia, Valdinho vinha logo atrás do Padre, trazendo a Bíblia e a seguir eu,
com o turíbulo. E lá seguimos para o início da missa.
Como eu era novo, coube a mim
acender o carvão para colocar no turíbulo. Era a função da plebe rude, o sacristão iniciante. Como
naquele tempo todos tinham fogão à lenha, esta primeira etapa foi fácil; isto
era feito num recipiente de ferro, que deveria ter sempre carvão em brasa para
a eventualidade de ter que reabastecer o turíbulo. Ao lado do altar havia um
pequeno recipiente com incenso para colocar no braseiro. O segundo passo foi
aprender a manter o movimento pendular para que as brasas ficassem sempre bem
acesas. Era um movimento delicado, diferente do balançar o ferro de passar
roupa a carvão.
O Padre ficava no centro do
altar e o coroinha principal a sua direita passando a ele tudo que fosse necessário
no decorrer da missa. Nem precisava pedir, pois se fica sabendo o momento certo
de quando o Padre fará alguma coisa.
Eu tive que ficar em pé, à
esquerda do altar, balançando o turíbulo e pronto para fazer algo fora do
altar.
Numa altura da missa veio o
primeiro pedido. Pedido nada! O Padre virou para o meu lado e falou, num
cochicho alto: o vinho. Vinho? O VINHO! Hã? O V I N H O!!!!!! Até então eu não
sabia que o padre tomava vinho no decorrer da missa.
Olhei para o Roberto França e
perguntei: onde está o vinho? LÁ NO FUNDO!
E isto aqui? O turíbulo, não sabia onde deixar aquilo. ME DÊ AQUI, GURI!
E lá ficou Roberto França turibulando.
Fui correndo na sacristia
buscar o vinho. Não encontrei.
Voltei e perguntei para o
Padre:
- não
encontro o vinho, Padre, onde está?
Interrompeu a reza que estava
balbuciando e indicou:
- aí no
fundo.
Voltei para a sacristia e fiz
uma procura em regra.
Abria e fechava gavetas, abria e fechada porta de armários e
nem reparei um esqueleto que havia na prateleira de um dos armários.
Enquanto corria de um lado para
outro, chega Roberto França:
- o que você está fazendo aqui; está atrasando
a missa!
-
procurando o vinho... O Padre me mandou aqui nos fundos, buscar...
E começou me ajudar a procurar
até que “caiu a ficha”.
- o vinho da consagração. Puta la merda! Tá na mesinha,
ao lado do altar...
Ele me explicou como deveria
fazer e foi pegar o turíbulo que já estava quase apagado. Tudo isto demorou uns
20 minutos (ou mais) e o Padre já estava sentado na poltrona ao lado do altar esperando
para continuar a missa.
Não me deixou levar o turíbulo
ao Padre com medo que fosse atrasar a missa um pouco mais.
Imaginei que a minha carreira
de coroinha estivesse terminado naquela primeira missa. Mas não.
A não ser uma vez que quase
incendiei a Igreja Matriz eu me tornei um coroinha eficiente.
Era uma novena. A Igreja esta
quase cheia. Fui acender todas as velas de todos os altares. Os castiçais
ficavam no alto. Usávamos uma vara comprida e na ponta havia um local para
colocar uma vela, e ao lado, um cone para apagar vela. Após acender a vela,
esbarrei no castiçal e ele caiu numa toalha que enfeitava o altar. Eu não
reparei e fui acender as velas em outro andar. Nisto ouço um grito: FOOOOGO!!
Os homens correram para o altar, e como era alto, tentavam subir no altar
firmando o pé embaixo dele. Mas não havia nada. Todos que acudiam caiam sob o
altar. Até que alguém conseguiu subir e apagar o início do incêndio.
Por fim, aprendi no ofício.
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