quinta-feira, 18 de junho de 2009

Uma reflexão sobre educação

Resumo biográfico de Dulce Serôa da Motta Cherobim
Uma reflexão sobre educação

Fui encarregado, como filho mais velho, escrever algo sobre minha mãe, Dulce Serôa da Motta Cherobim. A primeira dificuldade é a de o filho escrever sobre seus pais, dos quais se sente uma de suas projeções. Este resumo biográfico tornou-se uma reflexão sobre quem escreveu; como filho e como morretense. É difícil separar estas duas coisas. A segunda dificuldade, decorrente da primeira, é escrever suas memórias - e de memória - daquela que o gerou e o socializou. Isto é, tornou-o parte deste mundo social em que vivemos. For fim, acho que uma relação de datas não diria quem foi Dulce Serôa da Motta Cherobim, falecida há quarenta anos. Então, não só como filho, mas como cidadão, procurarei fazer o possível para que a patrona de um grupo escolar não seja simplesmente um nome, mas uma pessoa que viveu a educação e lutou por ela nesta nossa Morretes.

Dulce Serôa da Motta Cherobim nasceu em Guajuvira, município de Araucária em 16 de outubro de 1910 e faleceu em Morretes, em 06 de março de 1956. Pouco antes de completar seu quadragésimo sexto aniversário. Faleceu após sofrer, três anos antes, um derrame cerebral. Deixou-nos jovens. Duas filhas adolescentes, uma pré-adolescente e um filho que acabara de estrear sua vida adulta, o tão esperado “dezoito anos”. Dulce Serôa da Motta Cherobim, apesar de adoecer e falecer prematuramente deixou uma marca de sua vida como pessoa e como professora, lembrada quarenta anos depois de sua morte para se tornar patrona um grupo escolar. Esta homenagem, a meu ver, supera a emoção de sua passagem e ressalta a marca de sua presença entre os educadores de nossa cidade.
Se existir "outro lado” - como muitos acreditam existir - vejo-a encabulada com a homenagem; seu valor era uma questão de vida. Se hoje nós, seus filhos, conseguimos algo em nossas vidas devemos isto à sua retidão de caráter. Posso dizer que seus irmãos, filhos, sobrinhos, netos e bisneta, sentem-se emocionados e orgulhosos com esta homenagem.
Mas quem foi minha mãe? Poucos morretenses atuais a conheceram. Muitos saíram e outros já não estão mais entre nós. Entre os seus últimos alunos, os mais novos são os cinqüentões de hoje. Como os mais novos não a conheceram, vou procurar fazer um breve resumo da sua história.

Notas da sua história

Dulce Serôa da Motta Cherobim era filha de Francisco Serôa da Motta Sobrinho e de Maria Carmela Sentone da Motta. Seu pai, Seu Serôa, nasceu em Mata da Vara, zona rural de Propriá, Sergipe. Ficou órfão ao nascer. Foi criado por uma tia materna até a adolescência, quando foi para Recife, viver com um seu tio, também do lado materno e de quem herdou o nome. Muito jovem sentou praça no Exército, na mesma unidade em que este seu tio (então Coronel Serôa) era comandante. Como primeiro sargento foi incorporado às tropas que se deslocaram para o Acre (Questão do Acre, conflito do Brasil com a Bolívia). Adquiriu beribéri (doença devida à carência de vitamina B1) durante a viagem. Ele e parte da tropa com a mesma doença foram levados ao Rio de Janeiro para serem tratados e à Lorena (SP), e posteriormente Piquete (SP), para convalescerem. Restabelecido, o então Sargento Serôa foi transferido para a Colônia Militar de Xanxerê, em seguida para Curitiba e depois para Foz do Iguaçu. Primeiro a aventura e depois o casamento. No tempo em que meu avô ficou em Curitiba, conheceu Maria Carmela. A viagem de Curitiba a Foz do Iguaçu era feita com tropas de carroções até Guarapuava e daí para frente com tropa de cargueiros. Uma viagem normal demorava entre setenta e oitenta dias. A cada viagem formava-se uma tropa e os viajantes teriam que aguardar alguns meses para isto acontecesse.

Maria Carmela, moça prendada, uma das primeiras alunas do Instituto de Educação, filha del Signore Antonio Sentone, um napolitano que não queria saber de soldados em sua família. Seu apaixonado recebeu um ultimatum: para casar teria que sair do Exército. Saiu. Sua estadia em Foz foi marcada por trocas de cartas apaixonadas que, mais tarde, seus netos puderam deliciar-se em lê-las. De volta a Curitiba, Maria Carmela já era professora, trabalhava em sua primeira classe, num distrito do atual município de São José dos Pinhais. Depois foi transferida para Guajuvira, distrito de Araucária, casada com o agora paisano Serôa. Compraram um carroção e montaram uma fábrica de (refrigerante) gasosa naquele distrito, consumido em Curitiba. O carroção era seu meio de transporte para a família e para a carga.

Seus três filhos (Dulce, Almir e Rubens) nasceram em Guajuvira. Por volta de 1915 soube da possibilidade de se conseguir terras devolutas numa distante Morretes. Desceu a serra, e foi conversar com o encarregado do órgão que tratava dos assuntos fundiários: Seu Elesbão. Foram ver as terras. Ao subir os morros do Pitinga, mio vechio Serôa contava que encontrou, no meio da mata, uma folha de jornal com uma manchete em letras garrafais: "TEU LUGAR É AQUI". Esta manchete o fez viver o resto de sua vida no Pitinga. Minha avó assumiu uma escola do Rio Sagrado, onde lecionou até sua aposentadoria. Foi onde seus três filhos estudaram.

Dulce, minha mãe, em meia adolescência, foi mordida por um cachorro. A falta de recursos em Morretes levou-a a se tratar em Curitiba, onde ficou aos cuidados de sua tia Noêmia (Nia). O seu tratamento coincidiu com o concurso de ingresso para o curso de professoras do Instituto de Educação. Foi aprovada nas primeiras colocações e assim continuou durante todo seu curso. Após se formar conseguiu transferir-se para Morretes, por volta de 1930.

A diretora do Grupo Escolar era Dona Maria Luiza Merkle, com quem minha mãe foi morar, pois os quinze quilômetros que separavam o Pitinga de Morretes eram, então, uma distância considerável. Casou com Guilherme, um oriundo (filho de italianos) do Central. O casamento foi em 1936, lá no Pitinga e a cerimônia religiosa foi realizada numa capelinha que, só para chegar lá, de tão alto, era uma penitência. Casou e foi morar no Central, com suoi suoceri Fiorello (seu Fante) e Luiza. Depois do nascimento de seu primeiro filho meus foram morar na rua de baixo, perto do grupo escolar (que mudou para a rua XV em 1949. O ginásio começou a funcionar em 1949, no prédio onde funcionava o grupo escolar). A segunda filha nasceu nesta casa. Em 1940 ficou pronta a casa na rua do Central, perto da ponte, hoje chamada de “a ponte velha”. Aqui nasceram as suas duas últimas filhas. Foi onde meus pais, Dulce e Guilherme, criaram os seus filhos e viveram o resto de suas vidas.

A professora

Até 1949 o Grupo Escolar era a única possibilidade de escolaridade em Morretes. Era o curso primário com quatro anos, com a opção do quinto ano. Depois daí só em Curitiba ou em Paranaguá. Houve uma época em que foi oferecido um Curso Complementar (este era o nome), em dois anos, que permitia a continuidade aos estudos universitários. Minha mãe era professora do Grupo Escolar e foi responsável por este Curso Complementar enquanto existiu. Foi minha professora no segundo ano do primário.

O primeiro curso primário noturno, para adultos, foi ministrado no final da Rua XV, do qual também minha mãe foi a responsável.

Sua aptidão pelo desenho levou-a lecionar esta disciplina no ginásio (quando voltei a ser seu aluno). O excesso de trabalho obrigou-a desistir destas aulas, sendo substituída pela Profª. Desauda, cujo nome é patrono de outro Grupo Escolar.

A mãe que também era professora

Morretes via Dona Dulce, a professora que sempre se destacou em seu mister. Nós, filhos, não víamos a professora, mas a mãe que também era professora. Antes de tudo era gente. Com defeitos e com virtudes. Hoje, numa análise distante, parece-me que as virtudes superavam os defeitos; as lembranças dos morretenses mais antigos são de carinho e de respeito como pessoa e como educadora. As gerações se sucedem e a nossa memória se esvai.

As reformas educacionais transformaram a escola primária de antigamente e as quatro séries iniciais do primeiro grau como uma fase considerada de menor importância; seus professores, com salários aviltantes, têm que procurar outros meios de sobrevivência, tornando-os impossibilitados de orientar todas as suas inteligências às primeira letras. Minha mãe e tantas outras professoras contemporâneas faziam parte de uma elite intelectual que lhes permitia uma dedicação integral às suas atividades de educadoras.

Nós, como filhos, estamos agradecidos e emocionados em ver o nome de nossa mãe batizando uma escola. Mas ficaremos mais agradecidos e gratificados se pudermos aproveitar este ato como um momento de reflexão acerca da educação de primeiro grau no Brasil. Esta reflexão seria a maior e verdadeira homenagem à educadora que foi Dulce Serôa da Motta Cherobim.
Mauro Cherobim
S.Paulo, 12/10/96

Nota Final: Este texto que compartilho com vocês foi escrito em 1996 quando o nome da minha mãe foi oficializado como patrono de uma escola municipal de Morretes. Estava publicado num blog, mas fui ver, posteriormente, estava incompleto.

Claro que todo filho fica orgulho quando o nome da sua mãe ou do seu pai fica eternizado como nome de uma escola. Ao escrever não pude fugir da emoção, mas o objetivo foi levar o leitor à uma reflexão sobre a educação, comparando-a ao que era meio século atrás e a educação atual. E no momento em que um dos maiores (se não o maior) conjunto universitário do mundo (as três universidades estaduais paulistas) passa por uma série crise política e educacional.

2 comentários:

Plínio disse...

Gostei do artigo, mas queria ver umas fotos.

Anônimo disse...

Boa noite eu moro na cidade de Humaita estado do Amazonas vc tem fotos antigas de minha cidade gostaria se vc estiveres manda-se pra mim por email alcenorcosta@hotmail.com