segunda-feira, 27 de julho de 2009

Minha vida como fotógrafo... xereta

As lojas Dulcal se não foram as primeiras, pelo menos foram umas das primeiras lojas de venda a crediário em São Paulo. Eram lojas que vendiam roupas feitas (outra novidade!) e também  máquinas fotográficas, canetas tinteiros, etc.

Naquele tempo tinha-se que andar de paletó e gravata. Sem isto não se entrava nos cinemas. Não era de bom tom andar de paletó e sem gravata.Década de cinqüenta, quando esta desvairada paulicéia ainda era a terra da garoa, havia a capa e o chapéu de shantung. E galocha! E o grande desejo de consumo era a Rolley. Quem não tinha dinheiro para satisfazer este desejo fotográfico ia de Beautiflex com filme 120. De longe era uma Rolley. Não era pirata, A China estava iniciando o seu Grande Salto sob a liderança de Mao e pirataria, na época, era uma atividade das tripulações de navios corsários.

A sensação fotográfica era a Rolleyflex, as primeiras máquinas reflex ou TLR (Twin Lenses Reflex=lentes reflexivas gêmeas. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Rolleiflex.org/wiki/Rolleiflex). Esta nova tecnologia diminuiu a quantidade de fotografias fora de foco. Até então tínhamos que ter olhos para a distância focal, luminosidade, abertura de diafragma. O resto continuava na sensibilidade do fotógrafo, pois todos os recursos das máquinas eram mecânicos. Os filmes eram tamanho 120.

Os felizes proprietários das Rolley puderam mais tarde adquirir uma máquina com um adaptador para filmes 35mm, então chamados de filmes 135. Podiam usar filmes 120 e 35. O fotograma do filme 120 era 6 X 6cm e as cópias eram por contato.

Em 1957 comprei uma Beautflex, lembro bem. Era uma Rolley genérica. Com filmes 120. Em 1959 trabalhava em Goiânia e o dono de uma loja de fotografia propôs uma troca, a minha Beaut por uma sensação do momento, a recém lançada Yashica 44LM. LM era o fotômetro, light meter. Usava filme 127 e o fotograma 4 X 4 cm.

Nesta época os pobres mortais não conseguiam comprar filmes coloridos. Os pobres quando queriam uma foto colorida, eram fotos ampliadas coloridas, isto é, pintadas a pincel.

Fui para Xavantina com esta minha nova aquisição; começava a ficar dependente do fotômetro, mas não confiava muito pois ele funcionava sensibilizado pela luz e nunca funcionava como queríamos. Não era dependência total.


Em Xavantina havia um local muito bonito, paradisíaco, com um lago onde os evangélicos de Barra do Garça, Aragarças e região realizavam os batizados. Eu me tornei o fotógrafo. Não por ser bom fotógrafo, mas por ser o único.

Quando saiu a minha transferência comprei uma copiadora e kits de revelação, lâmpada vermelha, papel, etc. O básico de um laboratório. Até então eu sabia a teoria, mas nunca havia revelado nenhum filme.

Quando foi tentar revelar o primeiro filme surgiu o primeiro problema: onde? Como? Não havia câmara escura e nem luz elétrica. Transformei o banheiro da estação rádio em câmara escura e ligava o grupo gerador para ter energia elétrica.

A revelação do filme era direto na bacia, sem carretel, sem nada. No dia seguinte, com os filmes seco, fazia as cópias. Eram cópias de contato, portanto 6 X 6cm. Não tinha ampliador.

A copiadora era uma caixa de metal com uma lâmpada. Sobre ela um vidro despolido e na parte superior um vidro transparente e sobre ele uma tampa. O filme era colocado sobre o vidro e sobre ele o papel sensível. Ah, um interruptor. Aí estava o segredo: Testar o tempo segundo a exposição do filme. E também de acordo com a lâmpada, 40, 60 watts, ou velas, como se dizia. Vinte, vinte e um...

Precisei, até,fazer uma copiadeira de caixote,usando o principio a de metal. Fou usado um caixote, comuns naquela época, para embalar duas latas de 20 litros de querosene

Com a prática bastava ver o filme, sabia-se o tempo. Da mesma forma, para se fotografar, sabia-se qual era a abertura do diafragma e a sua relação com a velocidade. Ou regular a abertura no objeto. Se queríamos fundos nítidos ou sem foco.

A fotografia me permitia beber e comprar bala calibre 22 para tirar fundos de garrafa fazendo a bala entrar pelo gargalo sem o quebrar. A Bíblia me dava a grana para gastar em coisas anti-bíblicas.

Quando fui para o Xingu levei uma máquina moderna (para a época), 35mm, profissional, mas toda mecânica. Babei. Esta máquina era do Almir Tolstoi da Rocha Pitta, meu amigo e que não está mais entre nós. Ele fez questão que eu levasse a máquina em agradecimento aos dois litros de cachaça de Morretes, um de cana e outro de banana, especial para levar ao Japão.

Em 1973 saí da FAB e fui para o Amazonas. Comprei o meu sonho de consumo:(de então) uma Minolta SRT-101. Uma máquina profissional e como todos os profissionais de então faziam questão que fosse mecânica. Esta tinha um fotômetro com bateria. E eu me sentia habilitado para tal pois no ano anterior fiz um curso de fotografia para antropólogos no Museu Paulista, ministrado pelo Antônio Macedo, um fotógrafo de etnologia e que trabalhou com Harald Schultz, um fotógrafo que se tornou etnólogo.

Quando fui para o Amazonas, época fértil da Zona Franca de Manaus, adquiri os acessórios que tinha direito. Uma zoom de 300mm, uma lente “olho de peixe” de 70º, uma copiadeira de slides usando o corpo e a lente da máquina. E um laboratório completo. E aqui em São Paulo era o tempo das sessões profissionais da Fotótica e da Cinótica. Trouxe do Amazonas cerca 3.000 slides.

Esta máquina me acompanhou até há uns 10 anos quando me foi oferecida uma outra Minolta eletrônica,modelo 3xi Panorama, com uma lente zoom de 30omm. Foi a primeira máquina de uma mulher; achou que era muito complicada para o que queria. Resolver vender a máquina para adquirir uma digital compacta. As únicas que havia, pré história das atuais digitais.
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Que máquina complicada! Para mim. Tive que estudar o manual. Na mesma época resolvi adquirir uma digital da Kodak, a LS420. Já havia passado da pré-história das digitais. Custou mais caro que a Minolta. Era o início das máquinas digitais e os primeiros pagam pela novidade.

Escrevi este texto motivado pela notícia de que a Kodak vai tirar da linha de produção o filme kodachrome. Morreu aos 79 anos. Nunca usei, mas quando um produto quase centenário deixa de ser produzido é como uma morte, mesmo para quem nunca usou. Já se prevê para as máquinas analógicas (com filmes) um futuro incerto.


Hoje carrego uma máquina fotográfica no bolso da camisa com uma potencialidade que pouco deve às duas pesadonas analógicas. E cumpre com o objetivo: tirar fotografias a custo quase zero
As máquinas digitais secularizaram a fotografia. Nunca se tirou tanta fotografia como hoje; quem adquire um celular recebe com ele uma máquina fotográfica e as fotografias das máquinas atuais rivalizam com as fotografias com filmes. Se bem que o princípio é o mesmo: os grãos nos filmes, os pixels nas digitais. Mas o que temos hoje resulta de um processo que vem desde as primeiras máquinas, rudimentares, mas as de negativo de vidro. E quando isto acontece, vem junto uma porcão de modificações no mercado. Muitas profissões deixam de existir e surgem outras.

Na década de noventa orientei uma dissertação de mestrado que tinha como tema o fotógrafo lambe-lambe, ou fotógrafo de praça. Estes fotógrafos estavam sendo substituídos na época, por outros, com máquinas polaróides, chamadas de fotografias instantâneas. Desapareciam os arquivos de negativos dos fotógrafos onde era possível acompanhar o modo das pessoas numa determinada época.

Os registros desaparecerão? Hoje ao percorremos os “sites” de relacionamento deparamos com milhares de fotografias. Hoje coloridas e de melhor qualidade porque as máquinas são melhores e mais baratas.

Fica o registro.

Um comentário:

FOTO E ARTE disse...

é ainda tenho minha hasselblad para fotografar em 120 e revelo atersanalmente com muito carinho.