Eu morei em São José dos Pinhais, hoje apelidada de cidade metropolitana da Grande Curitiba. Uma coisa boa era quando a Prefeitura limpava a valeta que cortava duas quadras defronte à Igreja Matriz para o churrasco comunitário. Eu morava a uns 100 metros do local. No dia seguinte todo mundo sentia as queimaduras nas pontas dos dedos polegar e indicador.
A cidade era pequena; se escorregasse no centro da cidade iria parar nos sitiozinhos com as suas hortas bem cuidadas. Sentia-se morar no sítio e na cidade ao mesmo tempo. Um ambiente rural-urbano. Diferente de Morretes em que o rural e o urbano eram claramente delimitados.
As casas tinham, todas elas um quintal que ia até o outro lado da quadra, com as suas hortas, galinheiros e uma coberta, alguns com um compartimento fechado à guisa de depósito. Ali se armazenava a lenha, as ferramentas agrícolas de uso na horta e as sacas de serragem (pó da serra). Havia os meninos, com carrinhos de mão que forneciam serragem para o fogão. Colocava-se uma garrafa na boca principal do fogão e ia-se colocando a serragem em volta e socando, até completar toda a parte de queimar a lenha. Entre esta parte e a de baixo havia uma grelha de ferro que permitia a passagem da cinza para o seu depósito. Para que a serragem não escorresse por esta grelha, ela ficava sobre uma folha de papel.
Depois de toda a serragem socada, tirava-se a garrafa e acendia o fogo no espaço por ela formado. O ar começava a circular forçado pela sucção de ar da chaminé. “Tinha-se fogo”, na verdade um braseiro, que permitia fazer o café da manhã e o almoço. À tarde fazia-se o mesmo para o jantar. No inverno todas as portas internas da casa eram abertas para que o fogão servisse como aquecedor. Ao apagar as luzes via-se a chapa do fogão avermelhada.
E o forno de pão! Ficava no fundo do quintal, sob um telheiro. O fogo era aceso enquanto a massa era feita, batida e deixada para crescer. No inverno o calor do fogão ajudava para acelerar o crescimento do pão, do cuque. Deva tempo para consertar (trinchar) a galinha para ser assada. Uma galinha do quintal. Depenada com água quente, num latão sobre a chapa do fogão.
Na transgenitalização galinácea, no Paraná frango vira galinha e aqui em São Paulo a galinha vira frango. Consertar a galinha era prepará-la para assar, cozinhar, etc. Na verdade desconserta, desmancha, trincha.
Tempo bom! Bem, o passado sempre é bom, melhor que o agora. O passado é conhecido e o tempo atual vê-se pela incógnita do futuro.
Esta introdução é para montar a imagem para falar das festas de igreja na periferia das cidades. Estas festas de igreja são as quermesses aqui de São Paulo.
As festas de igreja festejavam o padroeiro do lugar, organizadas pelos festeiros do local. Ela era antecedida pelas novenas, cada uma dela com um “patrocinador” e comandada pelo capelão da igrejinha.
A festa iniciava com a missa, os foguetes, e todas as demonstrações de religiosidades. E era quando o vigário, a que estava subordinada a capela, realizava as desobrigas. Batizava e crismava as crianças, casava os ajuntados, realizava bênçãos. Tudo que precisasse de uma benção.
A quermesse, na verdade, é o bazar ou a feira beneficente, com leilão de prendas, depois das cerimônias religiosas. E é aí que se desenvolvia a teojogatina. Todos os tipos de jogos. Um dos jogos era o leilão de prendas, mas a maior atração era a roleta (não maliciem!).
Girava a roleta com toda a força e ela era girava, girava, até parar num número. Era o momento de maior emoção entre os que compravam os cartões e os que torciam para alguém.
Os cerimoniais religiosos de uma festa de igreja tinham um caráter secundário. O que era importante era o congraçamento, os encontros, as fofocas. O churrasco comunitário que falei acima tinha a mesma finalidade.
Numa das festas havia uma galinha assada. Assada num forno a lenha. Deliciosa! Proseei com os meus botões e chegamos à conclusão que eu deveria “ganhar” aquela galinha. Estava “boludo”. Cheguei ao balcão e pedi: quero comprar a cartela inteira deste frango. A pessoa que me atendeu exclamou: BarbaridadE! Já vendi uma! O paranaense acentua o "e" final e fala de forma exclamativa. Então mE dá! (nesta época fui mandado - por castigo - trabalhar no Aeroporto de Afonso Pena, que fica no município de São José dos Pinhais. E o meu falar paranaense voltou). Ma che barbaridade! Vai ter correr a roleta! (Ma che! Vício da italianada. São José dos Pinhais é uma área de colonização italiana). Então roda logo! Quero comer esta galinha! Mas a paúra começou a se avizinhar. Os meus botões me alertaram. Se il figlio de un porco tirar a galinha? Porco Dio, putano! O cara que comprou o bilhete foi sorteado e eu, com 19 cartões a ver navios. Barbaridade!
Na semana seguinte minha mulher caprichou uma galinha e assou no forno de fazer pão. As alemãs, as donas da casa da qual éramos inquilinos presentearam-nos com uma galinha que não botava mais. E eu fui o encarregado de cortar o pescoço da galinha e aproveitar o sangue para fazer a farofa com os miúdos.
Um comentário:
Mauro, me transportei e VIVI cada situação.As festas de uma cidade de interior, as quermesses, os sorteios.
O sotaque do paranaense é muito engraçado e tb "ouvi" cada palavra citada.
Tenho conversado muito com um"guri" quE estava morandO em São José dos Pinhais...e falA exatamentE assim...rsrsrs
Que delícia seus textos.Obrigada por dividir .Gostando muito de ser uma seguidora do teu blog.
Beijos
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