Eu tinha três anos, nove meses e cinco dias quando nonno
faleceu. Muito pequeno para me lembrar dele, mas estes lampejos são desta
idade para menos. Para que estas lembranças ficassem marcadas nonno deve
ter sido muito importante para mim.
Ele e nonna cederam o quarto deles
para os meus pais morarem lá na época da gravidez de minha mãe; ali nasceria o
primeiro filho do filho caçula. Nonno levava a minha mãe para
cidade para lecionar e voltava buscá-la. Estes foram os meus primeiros momentos
de vida ao lado dos meus avós paternos.
Há um lampejo, acho que o de menor idade, em que eu
estava na charrete (ou “aranha” – uma charrete com rodas de madeira e aro de
ferro), sentado entre nonno e a minha mãe, saindo da
estradinha do engenho do Central, entrando na estrada principal, que nos
levaria à cidade. O cavalo assustou-se por alguma coisa, saiu da estrada. Minha
mãe gritou e ele disse: “Não se assuste, Dulce. Não foi nada”. Corte! Um corte
que veio até hoje.
Num outro lampejo eu entrava na sala de jantar
e nonno estava sentado numa mesa redonda, pequena para a sala,
com uma pequena tigela com vinho; ele picava pão e mergulhava no vinho. Não sei
se foi ele que falou que havia vinho na tigela. Bem mais tarde, já adulto,
falando a respeito com o meu pai, ele me falou deste hábito de nonno,
de fazer sopa de pão com vinho numa pequena tigela.
Um dos lampejos aconteceu na casa construída pelo
meu pai e que existe até hoje. Nonno já demonstrava estar doente. Eu
estava sentado na escada da entrada da varanda, chegaram ele e nonna que
iam da cidade para o Central. Pararam defronte de casa. Demonstrando fraqueza, Nonno
desceu da charrete, mas não se atreveu subir os degraus da varanda. Ficou
conversando comigo apoiado na sua bengala. O lampejo termina antes de nonna sair
para retornarem ao Central.
Num outro lampejo eu me vejo no quarto dele, doente
e de cama. Uma visão rápida.
Numa manhã, o meu primo Carlito, filho do tio
Jango, chegou em casa. Ele deveria ter uns 10 ou 11 anos. Falou alguma coisa e
meu pai se apressou em se arrumar e me arrumar. Pegou a ramona (Chevrolet Ramona de 1927),
um caminhãozinho com cabine de madeira e sem portas. Sentou-me no banco e falou
para que Carlito ficasse no para-lama, fechando a entrada da cabine. Não me
lembro se a minha mãe já havia ido ou foi depois.
Havia movimento na frente da casa e um ataúde no
centro da sala da frente. Colocaram-me no colo, acho para o ver o nonno pela
última vez, mas eu não me lembro de o ter visto. Vi algo que não parecia ser
ele. Há um pequeno corte e me vejo sendo colocado no colo de alguém na janela.
Dali pude ver o féretro na estrada, ao longe. Houve uma sensação, não sei se
daquele momento, ou uma sensação que cresceu com a idade, de algo que perdia;
de uma última visão. É uma lembrança acompanhada de um nó na garganta e de os
olhos quererem marejar.
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