Festa religiosa no Rio Sagrado.
As minhas lembranças sobre Morretes tomam vida quando
procuro dar-lhe vida num determinado momento da sua história que é, também, a
minha história.
Quando vou a Morretes fico admirado com a quantidade de
bicicletas. Parecem ser mais uma parte dos ciclistas do que um meio de
condução. No meu tempo de guri poucos possuíam uma bicicleta. Elas eram muito
caras para o poder aquisitivo dos morretenses. A minha bicicleta era um Dürkopp
que fora do meu pai desde o seu tempo de solteiro. Eram bicicletas reforçadas
que aguentavam bem as estradas de roça de Morretes. O exército italiano equipou
tropas bersaglieri de infantaria
ligeira. Os alemães também tinham as suas tropas de ciclista e até os
norte-americanos chegaram usar bicicletas no século XIX.
A Dürkopp apresentava a sua “marcialidade” com um “D”
cortado com uma flecha no para-lama dianteiro. Apresentava algum perigo, mas
tal um bersaglieri eu costumava ir à casa de tio Tonicão ajudar fazer caixeta
para embalar as sua goiabada. Tio Tonicão era uma parada. Não sabia falar se
não tivesse um PQP no meio de cada frase. Um dia chegaram uns fregueses comprar
goiabada e reclamaram do preço. Ele respondeu que “PQP, então não compre”. Tia
Maria, muito respeitosa, acudiu e repreendeu: não fale palavrão, Tonico!... Ele
respondeu: PQP, não falo... Mas continuou a falar e ela vendeu a goiabada aos clientes.
Eu gostava de ajudar fazer caixetas enquanto conversávamos.
Tio Tonicão tinha um carrinho “todo-duro”. Era uma carroça
de duas rodas sem molejo, puxado por somente um cavalo. Um dia ele vinha do
Central pela estrada do Funil, ao passar por uma pontezinha o cavalo se
assustou e caiu no rio. O Tio pulou na água e ficou segurando a cabeça do
cavalo fora da água. Nisto aparece o Sebastião Farias e começou a rir. Olha
aqui, seu FDP, ao invés de ficar rindo venha me ajudar a tirar este cavalo
daqui. Sebastião assustou-se com “a ordem”, pulou na água e o ajudou.
Passado algum tempo, Sebastião era frentista do posto do seu
Estevão defronte à Igreja de São
Benedito e o Tampa Diabo estava pintando a Igreja. Ele era o líder do PTB (o
antigo, de Getúlio) porque era bandoleiro. Até os soldados tinham medo dele.
Terbek era da boa paz e por isto Tampa Diabo o provocava. Neste dia passou pro
ali, foi provocado, experimentou o seu revólver e voltou onde Tampa Diabo
estava. Quando as provocações começaram, Terbek sacou o revolver e deu dois tiros.
Dizia-se em Morretes que o segundo não era necessário, pois Tampa Diabo nem o
sentiu.
Sebastião era o frentista do posto e assistiu tudo. Foi testemunha
do julgamento. O juiz perguntou onde ele estava no primeiro tiro. No Posto,
respondeu. E no segundo? No matadouro, distante uns dois quilômetros e meio.
Quando contei para tio Tonico, exclamou, PQP, “pauroso”! Para ajudar precisa
brigar, mas com “paura’ sabe correr.
Gostava muito de conversar com tio Tonicão e com isto jantava
com ele e voltava noite. E a reta do Porto era escura. O que nos guiava era uma
luz fraquinha de um posto defronte a Igreja de São Benedito. As noites eram muito
escuras. Numa delas bati num obstáculo. Ouvi um grito! FDP! (Por extenso!)
Precedido de um grito de dor. Pelo grito e circunstância bati atrás de um homem.
Ele foi atingido pela flecha do “D” da Dürkop. Não sei quem eu atropelei e o
atropelado provavelmente não descobriu que o atropelou.
Nesta época, que eu me lembro, havia somente um “carro de
praça’ em Morretes. Taxi era coisa de filmes americanos que passavam no cinema
do seu Nhozinho. O meu pai teve carro de praça opor uns tempos, mas o chofer de
praça mais longevo em Morretes era o seu Leopoldo. Era o chofer de praça mais
longevo. O seu automóvel era uma ramona fabricada da década de 20. Como não
havia peças sobressalentes ele mesmo fabricava as peças. Como não havia lonas
de freio ele fabricou uma de ferra. Quando pisava no freio, Morretes escutava.
O que mais havia em Morretes eram as charretes, as aranhas,
o carrinhos toco duro e os carrinhos com mola. As charretes usavam pneus e na
maioria tinha molas. As Aranhas eram charretes com roda de ferro, como as das
carroças.
Havia mais caminhões do que automóveis. Muitas pessoas
tinham carrinho de mão quando transportavam algum peso.
Como a maioria dos veículos era puxada por animais e também
havia muitos animais de montaria; os ferreiros eram os profissionais muito
requisitados. Os mais conhecidos eram o seu Scremin e o seu Lourencinho. E eram
vizinhos. O que separava as duas ferrarias era a casa do seu Lourencinho. Seu
Lourencinho e dona Lúcia, sua esposa eram muito prestigiados na Igreja. Dona
Lúcia fabricava hóstia e seu Lourencinho costumava arrumar uma charrete ou uma
aranha para que o Pe. Camargo. E Valdinho, desde cedo se tornou sacristão. Foi
através dele que eu me tornei sacristão e logo na primeira vez provoquei um
atraso na missa porque eu não sabia onde estava o vinho que o padre usava para
os sacramentos na missa. Valdinho conhecia do o processo da missa e eu não
conseguia lembrar, por isto ele era o sacristão de confiança.
Uma vez eu cheguei em Morretes e propus para Valdinho
ensinar a gurizada a bater sino. Para cada cerimônia havia uma batida. Uma
batida alegre para as coisas alegres, uma batida triste para fatos tristes.
Ele me falou que não houve cuidado e os sinos estavam rachados. Ao chegarmos às
escadarias da Igreja Matriz encontramos um padre idoso; fui apresentado ao
padre com a informação que nós fomos os melhores sacristães, só que eu me
tornara ateu. Na verdade eu não sou ateu. Nem teísta. Mas o padre saiu dali sem
ao menos se despedir.
Naqueles tempos só havia as igrejas católicas e uma batista,
na pracinha da Estação. E o Centro Espírita. Além das festas nas igrejas da
cidade, também havia festas nas igrejas dos sítios. O Padre e os sacristãos
eram bem tratados. Enquanto eu Valdinho fomos sacristãos sentíamo-nos socialmente
prestigiados. Principalmente nos sítios.
Uma vez fomos “fazer” a festa no Rio Sagrado. Era rezada a missa
e a tarde uma procissão, muitas vezes no pátio igreja. Saímos da cidade antes
de amanhecer o dia. Desta vez, Jairo, sobrinho de Dona Sebastiana da telefônica
falou para nós que queria ir junto. Se você arrumar uma bicicleta pode ir, mas
não sei se haverá comida, pois nós almoçamos na casa do festeiro.
Jairo se aprontou antes de nó. Quando chegamos ele estava
nervoso, imaginando que o havíamos deixado para trás. Valdinho com uma aranha,
eu de bicicleta e Jairo também de
bicicleta fomos buscar o padre na casa paroquial, onde hoje é uma casa de
material de construção dos Stocco. Lá fomos nós. Valdinho com o Padre na
aranha, eu e Jairo de bicicleta acompanhando-o. Vencemos a reta a partir de
Morretes, subimos a primeira subida do Morro Comprido, a segunda e quando
chegamos numa curvinha da ponte do Passa Sete olhei para trás não vi Jairo.
Chamamos e nada. Retornei para procurar, chamando-o até que ouvi baixinho, “estou
aqui”. Jairo dormiu na bicicleta, saiu da estrada e caiu sobre uns arbustos que
os impediam sair dali sem auxílio.
Jairo ficou tão assustado que preferiu voltar para casa.
Perdeu a festa do Rio Sagrado.
O Rio Sagrado era um bairro bem povoado e ali moravam
pessoas de grande influência na cidade, como seu Dorcílio, seu Tanus e outros
que não me lembro de nome. Minha avó materna foi professora da escola do Rio
Sagrado quando foi removida de Guajuvira (Araucária) para a escola do Rio
Sagrado. Diariamente fazia uma boa caminhada do Petinga até a escola. A minha
mãe foi aluna da minha vó e daí foi a Curitiba, matriculou-se no Instituto de
Educação. Formada, retornou para Morretes.
(Esse texto não foi editado)
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