terça-feira, 2 de maio de 2017

Festa religiosa no Rio Sagrado.

Festa religiosa no Rio Sagrado.

As minhas lembranças sobre Morretes tomam vida quando procuro dar-lhe vida num determinado momento da sua história que é, também, a minha história.

Quando vou a Morretes fico admirado com a quantidade de bicicletas. Parecem ser mais uma parte dos ciclistas do que um meio de condução. No meu tempo de guri poucos possuíam uma bicicleta. Elas eram muito caras para o poder aquisitivo dos morretenses. A minha bicicleta era um Dürkopp que fora do meu pai desde o seu tempo de solteiro. Eram bicicletas reforçadas que aguentavam bem as estradas de roça de Morretes. O exército italiano equipou tropas bersaglieri de infantaria ligeira. Os alemães também tinham as suas tropas de ciclista e até os norte-americanos chegaram usar bicicletas no século XIX.

A Dürkopp apresentava a sua “marcialidade” com um “D” cortado com uma flecha no para-lama dianteiro. Apresentava algum perigo, mas tal um bersaglieri eu costumava ir à casa de tio Tonicão ajudar fazer caixeta para embalar as sua goiabada. Tio Tonicão era uma parada. Não sabia falar se não tivesse um PQP no meio de cada frase. Um dia chegaram uns fregueses comprar goiabada e reclamaram do preço. Ele respondeu que “PQP, então não compre”. Tia Maria, muito respeitosa, acudiu e repreendeu: não fale palavrão, Tonico!... Ele respondeu: PQP, não falo... Mas continuou a falar e ela vendeu a goiabada aos clientes. Eu gostava de ajudar fazer caixetas enquanto conversávamos.

Tio Tonicão tinha um carrinho “todo-duro”. Era uma carroça de duas rodas sem molejo, puxado por somente um cavalo. Um dia ele vinha do Central pela estrada do Funil, ao passar por uma pontezinha o cavalo se assustou e caiu no rio. O Tio pulou na água e ficou segurando a cabeça do cavalo fora da água. Nisto aparece o Sebastião Farias e começou a rir. Olha aqui, seu FDP, ao invés de ficar rindo venha me ajudar a tirar este cavalo daqui. Sebastião assustou-se com “a ordem”, pulou na água e o ajudou.

Passado algum tempo, Sebastião era frentista do posto do seu Estevão  defronte à Igreja de São Benedito e o Tampa Diabo estava pintando a Igreja. Ele era o líder do PTB (o antigo, de Getúlio) porque era bandoleiro. Até os soldados tinham medo dele. Terbek era da boa paz e por isto Tampa Diabo o provocava. Neste dia passou pro ali, foi provocado, experimentou o seu revólver e voltou onde Tampa Diabo estava. Quando as provocações começaram, Terbek sacou o revolver e deu dois tiros. Dizia-se em Morretes que o segundo não era necessário, pois Tampa Diabo nem o sentiu.

Sebastião era o frentista do posto e assistiu tudo. Foi testemunha do julgamento. O juiz perguntou onde ele estava no primeiro tiro. No Posto, respondeu. E no segundo? No matadouro, distante uns dois quilômetros e meio. Quando contei para tio Tonico, exclamou, PQP, “pauroso”! Para ajudar precisa brigar, mas com “paura’ sabe correr.

Gostava muito de conversar com tio Tonicão e com isto jantava com ele e voltava noite. E a reta do Porto era escura. O que nos guiava era uma luz fraquinha de um posto defronte a Igreja de São Benedito. As noites eram muito escuras. Numa delas bati num obstáculo. Ouvi um grito! FDP! (Por extenso!) Precedido de um grito de dor. Pelo grito e circunstância bati atrás de um homem. Ele foi atingido pela flecha do “D” da Dürkop. Não sei quem eu atropelei e o atropelado provavelmente não descobriu que o atropelou.

Nesta época, que eu me lembro, havia somente um “carro de praça’ em Morretes. Taxi era coisa de filmes americanos que passavam no cinema do seu Nhozinho. O meu pai teve carro de praça opor uns tempos, mas o chofer de praça mais longevo em Morretes era o seu Leopoldo. Era o chofer de praça mais longevo. O seu automóvel era uma ramona fabricada da década de 20. Como não havia peças sobressalentes ele mesmo fabricava as peças. Como não havia lonas de freio ele fabricou uma de ferra. Quando pisava no freio, Morretes escutava.

O que mais havia em Morretes eram as charretes, as aranhas, o carrinhos toco duro e os carrinhos com mola. As charretes usavam pneus e na maioria tinha molas. As Aranhas eram charretes com roda de ferro, como as das carroças.

Havia mais caminhões do que automóveis. Muitas pessoas tinham carrinho de mão quando transportavam algum peso.

Como a maioria dos veículos era puxada por animais e também havia muitos animais de montaria; os ferreiros eram os profissionais muito requisitados. Os mais conhecidos eram o seu Scremin e o seu Lourencinho. E eram vizinhos. O que separava as duas ferrarias era a casa do seu Lourencinho. Seu Lourencinho e dona Lúcia, sua esposa eram muito prestigiados na Igreja. Dona Lúcia fabricava hóstia e seu Lourencinho costumava arrumar uma charrete ou uma aranha para que o Pe. Camargo. E Valdinho, desde cedo se tornou sacristão. Foi através dele que eu me tornei sacristão e logo na primeira vez provoquei um atraso na missa porque eu não sabia onde estava o vinho que o padre usava para os sacramentos na missa. Valdinho conhecia do o processo da missa e eu não conseguia lembrar, por isto ele era o sacristão de confiança.

Uma vez eu cheguei em Morretes e propus para Valdinho ensinar a gurizada a bater sino. Para cada cerimônia havia uma batida. Uma batida alegre para as coisas alegres, uma batida triste para fatos tristes. Ele me falou que não houve cuidado e os sinos estavam rachados. Ao chegarmos às escadarias da Igreja Matriz encontramos um padre idoso; fui apresentado ao padre com a informação que nós fomos os melhores sacristães, só que eu me tornara ateu. Na verdade eu não sou ateu. Nem teísta. Mas o padre saiu dali sem ao menos se despedir.

Naqueles tempos só havia as igrejas católicas e uma batista, na pracinha da Estação. E o Centro Espírita. Além das festas nas igrejas da cidade, também havia festas nas igrejas dos sítios. O Padre e os sacristãos eram bem tratados. Enquanto eu Valdinho fomos sacristãos sentíamo-nos socialmente prestigiados. Principalmente nos sítios.

Uma vez fomos “fazer” a festa no Rio Sagrado. Era rezada a missa e a tarde uma procissão, muitas vezes no pátio igreja. Saímos da cidade antes de amanhecer o dia. Desta vez, Jairo, sobrinho de Dona Sebastiana da telefônica falou para nós que queria ir junto. Se você arrumar uma bicicleta pode ir, mas não sei se haverá comida, pois nós almoçamos na casa do festeiro.

Jairo se aprontou antes de nó. Quando chegamos ele estava nervoso, imaginando que o havíamos deixado para trás. Valdinho com uma aranha, eu de bicicleta e Jairo também  de bicicleta fomos buscar o padre na casa paroquial, onde hoje é uma casa de material de construção dos Stocco. Lá fomos nós. Valdinho com o Padre na aranha, eu e Jairo de bicicleta acompanhando-o. Vencemos a reta a partir de Morretes, subimos a primeira subida do Morro Comprido, a segunda e quando chegamos numa curvinha da ponte do Passa Sete olhei para trás não vi Jairo. Chamamos e nada. Retornei para procurar, chamando-o até que ouvi baixinho, “estou aqui”. Jairo dormiu na bicicleta, saiu da estrada e caiu sobre uns arbustos que os impediam sair dali sem auxílio.

Jairo ficou tão assustado que preferiu voltar para casa. Perdeu a festa do Rio Sagrado.

O Rio Sagrado era um bairro bem povoado e ali moravam pessoas de grande influência na cidade, como seu Dorcílio, seu Tanus e outros que não me lembro de nome. Minha avó materna foi professora da escola do Rio Sagrado quando foi removida de Guajuvira (Araucária) para a escola do Rio Sagrado. Diariamente fazia uma boa caminhada do Petinga até a escola. A minha mãe foi aluna da minha vó e daí foi a Curitiba, matriculou-se no Instituto de Educação. Formada, retornou para Morretes.


(Esse texto não foi editado)

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